“DO BEM”: a comfort music visceral da fase jovem de Jorge Ben
Vamos dizer logo (e em negrito) que:
Há algo de visceralmente básico e fundamental na música da fase jovem de Jorge Ben.
Escuta por ex. o texto do refrão de “Comanche” (link mais abaixo):
“Minha mãe me chama / Comanche!”
Ela tem 5 vezes o fonema /m/, que é o de uso mais básico entre os mamíferos, /m/ que é nascido do próprio ato de /m/amar e donde talvez tenha surgido a palavra “Mãe”, que tem /m/ na maioria das línguas (checa lá no Google…).
/m/ => Mãe
AO BERRAR “MINHA MÃE ME CHAMA!!!”, retirando o muco pegajoso dos pulmões de bronquite, o refrão coloca no foco da escuta um arquétipo sonoro/musical bem familiar a todos, que é o de se chamar alguém à distância. Alguém que é próximo, mas (está) à distância. Em português, isso é feito geralmente com um trissílabo, mesmo que o nome chamado não tenha originalmente 3 sílabas.
Escuta só: se o nome for “Renata”, a gente chama assim: “RE-NAA-TAÁÁÁ!!!…”. Mas, mesmo que o nome seja “João” (duas sílabas!) a gente pode estender o “João” e berrar: “JU-ÃO-ÔÔ!!!!…”. Trissílabo. Três…
[ Matutando: 3 => Mês 3 => Março => Nativo do signo de Áries => Jorge Ben deve ser ariano… ]
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MAS, HÁ UMA DÚVIDA nesse arquétipo sonoro/musical que produz uma pancada emocional:
o chamar-alguém-à-distância pode significar “pedir”, OU pode significar “oferecer”.
E dúvida em música produz emoção e/ou visceralidade. No que você titubeia (é aquilo? ou é isso?), acaba desprotegido, desaba no lamaçal, chafurda no lôdo e chora. Chorrora. Copiosamente! Neném…
:,•{
NO BURACO-NEGRO DE UMA ANÁLISE MUSICAL MAIS TÉCNICA, conforme os ouvidos chafurdam na lama e no lótus do som, preciso dizer apenas 4 coisas que reforçam essa minha sugestão do básico-do-Ben (e vou [tentar] dizer rápido, pra não espantar os 2 leitores que chegaram até aqui):
Parêntese só pra músico (fique à vontade pra pular este trecho em itálico): [ Além da melódica pentatônica (básica em muitas culturas e subconjunto da escala diatônica, origem de muito na música ocidental), da harmonia curta e grossa (pouquíssimos acordes, o famoso “menos é mais”) e da afinação com inflexões microtonais, vindas de muito longe (outro continente) e de muito perto (da voz maternal, que desenha curvas desengonçadas no ar), O TIMBRE DA VOZ DO BEN nesse período é extremamente expressivo:
na extensão grave e média, a voz é redonda, atrombonada e acuicada, cheia de curvas de glissando desenhadas no ar;
no registro médio, pode ser também chorosa e suplicante, ela “chorri” (chora e ri ao mesmo tempo);
e no falsete, no Ben-agudo, é absolutamente animalesca, soando com’um recém-nascido que berra pela vida através do ar sêco do deserto, com tudo o que lhe há!, com tod’o amor que esta Terra há de comer… ]
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TUDO ISSO ACIMA NOS EMPURRA PRO TERMO “COMFORT MUSIC”, mais ou menos emprestado (de ouvido) da gastronomia, onde se diz, a torto e a direito, “comfort food”, dentro de nossa ignorância a respeito, significando: a comida que traz conforto, familiar, da infância, da terra natal etc.
MAS NÃO É UM CONFORTO SERENO E PACATO. Neste caso, é um conforto na visceralidade, um conforto no movimento, na ação, como se fosse a paz encontrada no caos, com’um berço que solavanca e uma canção de ninar que galopa, como aqueles que gostam de (se) mudar, nômades na vida! Como se você encontrasse a sua paz num Rio de Janeiro em guerra. Mas uma guerra no âmbito sonoro, microscópico. Uma música de átomos sonoros em fricção e ebulição! De swing subatômico. Nuclear “DO BEM”, se é que isso é possível. Na música de Jorge Ben, é.
[ Nos últimos versos de “Comanche”, minha filha chamou atenção repetidamente para o enunciado de que “urubu não come folha”. “Olh’aí, pai: é verdade que urubu não come folha?!?” E eu entendi que este verso afirma uma abordagem Pop e contemporânea da música popular que não ocorre em detrimento dos nutrientes da tradição. É bicho comendo bicho! É carnice’ra! E é antropofágica. E quand’um bicho come outro bicho, ele não o mata, ele se torna um pouco ele e ambos se tornam um e OM… ]
(…)